A Arte Xávega é uma técnica tradicional
de pesca costeira de arrasto, por cerco, muito antiga, cuja origem, secular ou milenar, se perde na noite dos tempos. Actualmente encontra-se em risco de desaparecimento, numa fase de contínuo declínio que vem desde a década de 60.
Nos dias de hoje, esta arte piscatória ainda é praticada por algumas centenas de pescadores, em algumas localidades
costeiras de Portugal, incluindo a Praia de Mira e a
Praia da Tocha (ambas na Região da Gândara). Também ainda é praticada na Praia da Vagueira, no Concelho de Vagos, mas que não incluo na Gândara por já estar situada na Região Tradicional da(s) Gafanha(s). Também chegou a ser praticada no passado na Praia de Quiaios, no Concelho da Figueira da Foz.
Hoje tem um carácter sobretudo sazonal, sendo praticada essencialmente nos meses do Verão e do fim da Primavera, quando o mar se encontra mais calmo e abundam os clientes para o pescado (aproveitando a época turística).
Hoje tem um carácter sobretudo sazonal, sendo praticada essencialmente nos meses do Verão e do fim da Primavera, quando o mar se encontra mais calmo e abundam os clientes para o pescado (aproveitando a época turística).
Outrora muito praticada ao longo de toda a costa portuguesa, entrou em decadência nas décadas de 60 e 70 do século XX, tendo desaparecido de grande parte das localidades costeiras do país. Nos locais onde sobreviveu, passou por um processo de modernização tecnológica, que lhe permitiu trabalhar com um número bastante mais reduzido de pescadores, bem como poupar estes do esforço muscular hercúleo que lhes era exigido no passado. Apesar destas transformações, esta arte ainda conserva um carácter tradicional, em que sobrevive muita da herança histórica, cultural e social de tempos passados.
Há um século atrás, o panorama era bem diferente da actualidade, com muitos milhares de pescadores e centenas de barcos espalhados por muitas das localidades costeiras de Portugal, aproveitando cada trégua concedida pelo mar para pescar.
Como funciona a Arte Xávega?
Para ajudar à compreensão do funcionamento desta arte tradicional de pesca, coloco aqui duas figuras que fiz em 2013 (com umas modificações mais recentes). Alerto os leitores que estes esquemas foram feitos por mim baseados no que conheço da Arte Xávega (a partir do que que vi, li e ouvi ao longo da minha vida), por isso o seu rigor poderá ser objecto de algumas críticas por quem verdadeiramente conhece e pratica esta arte.
Os sucessivos passos de uma ida ao mar encontram-se descritos em sucessão numérica nas figuras seguintes, que aconselho que sejam abertas numa nova janela do browser no seu tamanho real:
1 - O barco, em forma de meia-lua, que se encontra na praia previamente carregado com centenas ou milhares de metros de cordas e redes, é empurrado para o mar. À medida que avança, vai desenrolando e colocando no mar uma corda, cuja extremidade fica solidamente presa no praia.
Durante esta fase perigosa, o barco segue a direito pelo mar adentro, cortando as ondas na sua zona de rebentação.
2,3 - Ultrapassada a zona de rebentação, o barco vira de lado e inicia um longo percurso no mar que o leva a quase completar um círculo (ou um "O"), ante de iniciar a manobra de regresso à praia. Vai continuando a lançar a corda ao mar.
4,5 - O barco começa agora a lançar a primeira metade da rede de pesca propriamente dita ao mar.
6 - O barco atinge a metade do seu percurso e lança ao mar o saco da rede, onde mais tarde ficará retido o peixe. Este saco é marcado por uma grande bóia, destinada a ser visível ao longe a partir da praia, que servirá de referência visual durante as manobras para puxar as redes.
7 - O barco inicia o seu percurso de regresso, enquanto vai colocando no mar a segunda parte da rede de pesca.
8 - É colocada no mar a segunda metade da corda.
9, 10 - O barco termina o seu percurso no mar em forma de quase círculo (ou um quase "O" ) e vira directamente a proa para a praia, entrando na zona de rebentação das ondas, iniciando a manobra de saída do mar.
11- O barco lança-se a grande velocidade em direcção à praia até encalhar na areia, sendo então preso com cordas e puxado para a praia, até ficar num lugar seguro fora do alcance da água do mar lançada pelas ondas na praia. Ao sair do mar, o barco traz consigo a segunda corda das redes.
12 e Figura II - Processo de puxar as redes:
(Tarefa lenta, que costuma demorar entre uma a duas horas, dependendo das dimensões das redes de pesca utilizadas.)
Na praia, a partir dos dois pontos de entrada e saída do barco no mar (que podem distar algumas centenas de metros entre si), as duas cordas começam a ser puxadas lentamente. À medida que as cordas vão sendo puxadas em dois pontos diferentes da praia, um deles ou ambos aproximam-se do outro por fases sucessivas, para ir fechando lentamente a rede de arrasto que vai cercando os cardumes de peixe.
Quando acabam as cordas e as duas pontas da rede de arrasto chegam à praia, os peixes ficam encurralados no seu interior. Depois vão ficando progressivamente concentrados no saco da rede, à medida que o resto da rede é puxado para a praia.
Nesta altura final, as duas pontas da rede já estão a ser puxadas de locais muito próximos, quase lado a lado, até que finalmente o saco da rede é puxado para a praia.
Uma vez que a tradicional Arte Xávega não dispõe ainda de tecnologias piscatórias de ponta, como sonares para localizar os cardumes de peixe ou sensores nas redes, é apenas nesta fase que os pescadores finalmente conhecem o rendimento que lhes proporcionou cada ida ao mar trabalhosa, pois o saco tanto pode vir cheio de peixe como quase vazio. Esta é sempre a fase do processo que suscita mais emoções fortes na praia e que costuma reunir uma multidão de pessoas à sua volta, entre pescadores, clientes, curiosos e turistas.
Depois o saco da rede é aberto, o peixe retirado, separado por espécies em cabazes e encaminhado para o mercado por diversas vias.
Nota: A descrição que fiz anteriormente relata como funciona a Arte Xávega em termos genéricos. Contudo existem algumas diferenças entre a Arte Xávega do Passado e a da Actualidade, bem como existiram fases de transição e evolução nos anos 60 a 90. Para saber mais sobre isso, não perca os próximos capítulos:
Arte Xávega II - À Moda Antiga.
Arte Xávega III - Evolução a partir dos anos 60, até à atualidade.
Arte Xávega IV - A Arte Xávega no Presente.
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